O cartunista pernambucano Miguel Falcão, do Jornal do Commercio, foi pego de surpresa com a indicação da animação Morte e vida severina como finalista do concurso Japan Prize 2013, realizado pela rede de TV japonesa NHK desde 1965. Este ano, 331 trabalhos de 57 países se inscreveram ao prêmio. A animação brasileira é um dos nove finalistas na categoria Educação Continuada.
Morte e vida severina é uma adaptação da graphic novel - publicada em 2005 pela Massangana Editora, da Fundação Joaquim Nabuco - que Miguel desenhou a partir do poema de João Cabral de Mello Neto. Naquele ano, o poema completava meio século. "Acho que foram uns três meses de trabalho para concluir os desenhos. Mas a animação, ao contrário, foi muito mais demorada, porque foi filmada em digital e técnica 3D. Os animadores fizeram estudos de texturas e traços, dos quais participei e acompanhei para ficar o mais fiel possível aos quadrinhos originais", relembra.
A animação foi coproduzida pela Massangana Multimídia e a TV Escola, o canal educativo do Ministério da Educação, em 2010, e também foi lançada em DVD. Afonso Serpa, o responsável pela realização de Morte e vida severina, comandou uma equipe de artistas digitais agrupados na produtora Ozi, em Brasília.
Assim como a graphic novel, a animação obedece a um estilizado preto e branco - estourado e sem meios-tons - que remonta aos filmes do cinema novo, como os clássicos Deus e o diabo na terra do sol e Vidas secas, por exemplo. A expressiva trilha sonora, assinada por Lucas Santanna, Siba, Rica Amabis e Marcelo Jeneci, é minimalista e foge dos clichês da música nordestina.
A narrativa mistura várias vozes, tendo o retirante como condutor de uma viagem que atravessa Pernambuco do sertão ao cais. No percurso de Severino, que tem a voz do ator cearense Gero Camilo, o espectador é testemunha de uma realidade quase fantasmagórica. Em alguns momentos, os traços barrocos de Miguel, em especial nas cenas da caatinga e do solo calcinado, deixam o espectador em estado de graça. Em outros, a aspereza das texturas e a simbologia ligada à morte - como as carcaças andantes de foice na mão e os cemitérios do Recife - mostram como os desenhos do cartunista traduzem com perfeição as intenções de João Cabral ao fazer de Morte e vida severina uma obra que se renova ano após ano.